segunda-feira

Prazeres.



Eu tenho me sentido pra baixo.
Mas não sei o verdadeiro motivo, ou talvez saiba e evite pensar que sei.
Enfim, apesar dos poréns e dos absurdos diários aos quais submetem minha linda pessoa, a vida anda nos conformes, nas gotas de suor, nas batidas de ônibus, nos beijos, no pescoço da minha menina, nas microfonias dos programas noturnos e nas letrinhas minúsculas dos livros da biblioteca.
Eu tenho redescobrido pequenos prazeres diários que o cursinho, os encontros marcados e o próprio tédio me fizeram esquecer.
O prazer, por exemplo, de acordar cedo e no caminho do ponto de ônibus sentir o vento gelado da madrugada cortar o meu corpo. Ou, indo pra escolar me deparar todos os dias com o mesmo menino loser, que também percebe a minha presença, no lado oposto da rua. Voltar pra casa ás 14h, tirar um cochilo, acordar e sentir as gotinhas geladas de água do regador baterem na minha pele quente. Ver o pôr-do-sol de cima do meu muro, escutar as crianças brincarem atrás do portão e enfim, dormir de novo e acordar para um novo dia, cheio de pequenos prazeres. E pontadas de tristezas incompreensíveis no meu coração.

sexta-feira

Ódio.



Ah,
Estou brava comigo, com Deus, com meu gato, com o cachorro da vizinha, com o meu pai biológico, com o meu pai adotivo, com o meu pai espiritual, com o meu santo, com a minha melhor amiga, com a minha ex - melhor amiga, com a minha namorada, com o meu clitóris, com o meu pudor, com as minhas unhas e com o meu cabelo.
Tudo isso, ao passo que eu estou terrivelmente depressiva.
Eu subo em cima de telhados, eu tiro as telhas dos telhados e entro em telhados. Eu ouço reclamações do papai, eu ouço reclamações do patrão, eu sou obrigada a conversar com a mulher do patrão e ter que suportar os olhares de desprezos da filha desse mesmo patrão. Eu ouço os cachorros latirem quando eu passo, eu ouço os empregados comentarem sobre os meus peitos, eu ouço papai me aconselhar a tampar os ouvidos para tais comentários. Eu sujo minhas unhas, eu raspo meus dedos, eu arranho as minhas mãos, eu tropeço nos meus tornozelos, eu caio em pedaços pontudos de telhas, eu carrego o peso das placas de aquecedor solar, eu carrego o peso do boiler do aquecedor solar, eu sujo meu cabelo, eu sujo minha roupa, eu sujo o cadarço do meu all star preto, eu queimo minha pele no sol. Eu sei falar francês, eu sei falar inglês, eu sei falar espanhol, eu escrevo sem erros de português, eu já li Dostoievski, eu entendo as lamuria do Shopenhauer, meu livro favorito é Cien Años de Soledad, meu filme favorito é L’Eclisse, eu posso falar o titulo original, o nome do diretor, o nome dos atores e a data de lançamento de qualquer filme entre 1895 e 2007. Agora, pra quê?! De que me vale ter tanta cultura se na hora de falar sério com alguém eu gaguejo?! De que me vale ter tanta cultura se eu não consigo encarar ninguém nos olhos?! De que me vale ter tanta cultura se no fundo, no fundo, eu tenho uma preguiça imensa do mundo? De que me vale ter tudo isso se, na verdade, eu não quero emprego, eu não quero casa, eu não quero compromisso, eu não quero responsabilidades com ninguém. Seja minha melhor amiga que acabou de terminar com um cara maravilhoso (que também é amigo meu, logo, tenho que consolar os dois); Nem com a minha namorada cujos pais querem que ela saia de casa, mas não suportam ficar uma noite sem a presença dela; Nem com a minha ex - melhor amiga que está grávida de um cara que ela não gosta; Nem com a minha mãe que está com câncer do colo do útero; Nem com o meu pai que vai passar a vida inteira sendo capacho dos outros; Na verdade, eu mesma não agüento mais ouvir meus próprios problemas. Eu queria que um disco-voador me levasse pra fora desse mundo ridículo onde falar bem é mais importante do que ter cérebro (e não água oxigenada) na cabeça.

quarta-feira

2006



Estou deprimida com o ano de 2006.
Foi um ano tão incrível.
Acho que o melhor da minha vida.
E todas as amizades que eu tinha naquela época foram desfeitas... ou afastadas.
Por mais que eu tente não consigo voltar a naturalidade criativa e espontânea que eu tinha no ano retrasado.
E os amigos, uff.. não consigo falar com eles sem bocejar.
Ainda que eu tenha adquirido muito mais conhecimento de 2006 pra cá, sinto que deixei algo pra trás.
Talvez seja a inocência, que eu comentei acima, ou a espontaneidade, ou como tudo me inspirava. Andar de ônibus me inspirava. Sentir o vento me inspirava. Um prédio me inspirava.
Ainda que minhas idéias não fossem lá muito boas, eu sinto falta da sensação de mente cheia e barriga vazia.
Não tinha dinheiro pra nada. Eu passava fome pra comprar 1 dvd.
Hoje minha coleção é gigante.
Mas ainda falta algo. Algo que eu não devia ter perdido.
Talvez a amizade da Tailine.
Ou o modo como tudo era novo pra mim.
E agora tudo, que antes era tão novo, está tão velho e desgastado.
Eu sinto como se o mundo estivesse caindo aos pedaços com idéias inéditas-já-vistas, sentimentos inéditos-já-sentidos e filmes inéditos-já-assistidos.
E eu, só o que me resta é uma sombra fantasmagórica de uma Júlia que já foi muito mais Júlia do que é hoje.
De uma Júlia que não existe mais.